6.1.04

POESIA E BLOGUES (III)

SANDRA COSTA


Nasceu em São Mamede de Coronado, em 1971.
É professora de história e mantém, com a Cláudia Caetano o blog Tempo Dual.


POR ONDE COMEÇAR?

Por Onde começar quando a cor do poema
é um rumor de sal que se agarra aos meus dedos?

Quando o brilho da lua é um fio de maresia
que erra explora se espanta e se desfaz
na claridade marítima dos meus seios?

Quando o perfume das magnólias é um possível cúmplice do vento
que se abriga nos meus teus olhos numa lágrima de ternura?

Por onde começar?...


VEM UM VENTO DO MAR

e a melancolia dança pelos pedaços das cortinas
onde quase-anjos prendem os véus do tempo

Vem um vento do mar

e a solidão interrompe-se nos poros da madeira enegrecida
e nos trilhos que espreitam a janela desde a água

Vem um vento do mar

e há um respirar de espera nas rugas da casa que não se vê


FALÉSIA

A falésia é uma escada para o mar
onde a morte dos dias demora
e as noites acontecem como um presságio.

É um outro horizonte onde os barcos
se perdem em ausências e os filamentos
das anémonas e dos corais se agarram
para que o tempo não caia em desuso.

É um mesmo silêncio que o mar também
sente. Uma mulher que vai pela praia
em lentos passos de pedra e o olhar

náufrago
na maresia.

A falésia é um reflexo do mar.

(de Sob a luz do mar, Campo das Letras, 2002 - Campo de Estreia)


NADA SE SABE DAS PROFUNDEZAS
(primeiro estudo para uma duplicidade)


#1
À superfície do mundo
a ondulação do desejo:

uma pedra - o amor - submersa.

#2
pode o poema permanecer
em círculo água em movimento
e sempre insuficientes as pálpebras
susterem o silêncio?

#3
talvez esta seja a textura dos dias
que se aproximam das profundezas:
a agitação sob a luz nada revela
e criam-se estratificações nebulosas
junto ao olhar como se a inquietude
- a água - fosse o único ritual
capaz de criar o mundo.

#4
[quero] toda a poesia é assim:
um lugar onde a superfície
esconde mais do que revela
e a morte é a pedra possível dentro da água
ao alcance do braço se nada se sabe das profundezas

(texto integral de um livrinho de 8x5,5 cm, com projecto gráfico e fotografias de Paulo Gaspar Ferreira e editado pela in-libris, em 2003)

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