[a propósito do poema que o Quartzo passa hoje, lembrei-me disto:]
JORGE DE SENA
A PAUL FORT (+20/4/60)
Como se fosse homem de ficha e método, registo
no apêndice bibliográfico de uma história literária,
a data da morte de Paul Fort, que, subitamente,
recordo não ver consignado ao pé da outra data
em que nasceu (de resto, foi uma surpresa, porque
era como se ele tivesse já morrido há muito).
Si tous les gars du monde... - esse poema era belo,
não o tenho comigo.
Príncipe dos Poetas, escreveu baladas,
numerosas baladas, e morreu agora
com quase noventa anos. Os seus pares na idade,
Claudel e Gide, Francis Jammes e Proust,
Jarry, Philippe, Valéry, Péguy,
Colette e Romain Rolland, mais Ana Brancovan,
condessa de Noailles, haviam já morrido,
ora velhos, ora de estarem vivos, ou de angústia,
na guerra - juste guerre... ó Péguy... -,
ou na paz - que paz?... Deixemos isso.
Apenas registei. Mas não dissera ele,
na Balada da Noite, que nós contemplássemos...
O quê? Laisse penser tes sens (sabias disso,
ó Fernando Pessoa?). Éprends-toi de toi-même,
épars dans cette vie. Esparso nesta vida -
como este «príncipe» sabia coisas!
Morreu. Não de arranhado em espinhos de roseira,
como convém a Rilkes. Só de velho,
e um pouco de esquecido, esparso, épris
de soi-même. As histórias literárias
- sem o relerem, ou não seriam histórias literárias -
dar-lhe-ão cada vez menos linhas,
resumidas das linhas das outras.
E eu, que sou poeta - ó Príncipe! - trai-te,
como se com método e com ficha, registando apenas,
no apêndice de uma delas, que morreste.
27/4/1940
(de Peregrinato ad Loca Infecta, 1969)
PAUL FORT
La ronde autour du Monde
Si toutes les filles du monde voulaient s'donner la main,
tout autour de la mer elles pourraient faire une ronde.
Si tous les gars du monde voulaient bien êtr' marins,
ils f'raient avec leurs barques un joli pont sur l'onde.
Alors on pourrait faire une ronde autour du monde,
si tous les gens du monde voulaient s'donner la main.
(de Ballades Françaises)
A RONDA EM TORNO DO MUNDO
Se as jovens todas do mundo se quisessem dar a mão
a toda a volta dos mares, podiam dançar de roda.
Se os jovens todos do mundo quisessem ser marinheiros
fariam com suas barcas uma ponte sobre as ondas.
E então podia dançar-se de roda em torno do mundo
se toda a gente no mundo quisesse dar-se a mão.
FORT, PAUL - nasceu em 1872, em Reims, e teve preponderância no movimento simbolista, tendo sido um dos criadores do "Théatre d Art" que foi um dos pontos de partida da renovação do teatro moderno. Em 1896, publicou uma colectânea de poemas, Ballades Françaises, título geral em que se integrará toda a sua obra até à morte em 1960. Os seus versículos em que se escondem versos medidos, rimas internas, usou-os ele para compôr "baladas" sobretudo desenvolvendo temas e motivos da história e da paisagem da França; mas tiveram, tecnicamente, grande importância nos movimentos de vanguarda. Um dos seus poemas mais famosos (e mais breves) foi sempre este La Ronde autour du Monde, aqui traduzido, e que foge à linha geral daquela temática.
(tradução e nota biográfica de Jorge de Sena, in Poesia do Século XX de Thomas Hardy a C. V. Cattaneo, 2ª ed: Fora do Texto, 1994 - Autores Universais)
24.5.04
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