OLGA GONÇALVES
Nasceu em Luanda em 1929.
Iniciou a actividade literária pela poesia, mas teve maior destaque na ficção, pela qual recebeu vários prémios.
Morreu em Lisboa no início de Abril deste ano.
Como a palavra nua
que partiu sem regresso
a angústia voltou
*
Falta um vagar a cada movimento
do pé do tempo
que conduz à estrada
*
1. Nós estaremos lá onde o silêncio fecha
os olhos moribundos nós estaremos
lá à porta do silêncio.
2. O sol desmanchará o corpo das sombras
as pedras serão relógios os lugares voltarão
a ser grandes lugares.
3. E as lágrimas sem tempo e as lágrimas
traçadas perderão formas definitivas
nós estaremos lá
(de Movimento, Moraes editores, 1972 - Círculo de Poesia)
COMPOSIÇÃO 22
Os marcos. Os nomes. Vestígios de. As margens. Os gavetões herméticos da cidade. Violência. As torres. A ficção da solitária cena lenta. Os matadores com violetas nos dedos. Espécie. A convergência. Mitologia de um jogo de engrenagens. Um lupanar. Dois lupanares. Quinhentos e vinte e cinco lupanares. Séries. As línguas sarcásticas do relógio. As legiões. Emboscadas memórias. O cão de cada criatura. O tempo comprimido em dinastias. Encontro casual de circunstância. As gerações de escravos. A íntima candura. Serões judeus. O desvalor de um punhal sem coragem. Quem pôde lá escrever um livro de acabado modo. A lua nossa contemporânea. A gesta deste século. Matadores com violetas nos dedos. Quem sabe se a imortalidade. Nos reinos tocam sinos sobre o sangue da chuva. Se porventura o sonho. A água muito fria. O homem só. Uma parede em história. Injuriada. Quem trouxe o espanto a nudez a caricatura da repetição do silêncio. E nas vidraças faltam noites. E à vidraças chegam os braços da modesta orgulhosa forma de sobrevivência. Pelas vidraças fogem figuras foscas filhas de todas as jornadas. Esta página de um itinerário. Se regressar posso.
(de 25 Composições e 11 Provas de Artista, 1973)
festejar no teu corpo a liberdade
que a dobra desta noite pronuncia
sobre o nervo da voz foça de alarme
garganta milimétrica de abril
um cravo da coronha de um soldado
no campo há meia hora ainda em sentido
para o gesto tão fundo tão volável
infância já da luz dentro do sismo
jornais não censurados no tapete
uma fábula fértil de fogueiras
crepitando onde rola o som da estampa
interior ao rumo à labareda
o desenho final do nosso beijo
na premissa mais livre do meu sangue
(Abril 1974)
(de Só de Amor, edições Ática, 1975)
2.
debaixo somos
caruma areia saibro prata espuma
e o dia amadurece à recta claridade do fruto leve e morno
o dia que se alarga onde
hoje
lugar de verão arável como a terra
esbulhado de permanentes dívidas
se restitui profuso
original
obsessivo espaço já berma já repouso
estuário de vastas solidões
hélas ! que l'arc-en-ciel nous prend
et on se déshabille
et on est livre de gorges de soleil
ailleurs.
(de Três Poetas, colecção O Oiro do Dia, 1980)
20 de Dezembro
Caem as sombras. Tão devagar
como o sono se desenha e afunda no corpo.
Remota, a quietude
levanta-se, vai descobrir onde
o pensamento pode ser também ancestral
longo lençol para a revelação dos nomes
Por uma fresta de chuva cortada
de rumores começa
a densidade
que me sitia: presença
maior, sem rosto
extenuando o sossego que vou pisando
ontem difuso
agora exacto
tangencial
divinamente exacto.
(de O Livro de Olotolilisobi, edições Afrontamento, 1983)
audível
pedi-lhe a história de uma árvore. disse-me conta a de todas as árvores da floresta. quando as vozes se cobrem de escuro e as distâncias caminham a par. cautelosamente. para o lado onde os ecos morrem de espanto. e um frémito decompõe sua beleza estática. e a lua sobe aos cômoros mais próximos. e a noite afirma não estarei aqui para sempre. há lobos, há frio. há solidão na terra.
(de caixa inglesa, edições Rolim, 1981 - aleph)
POEMS FROM THE PORTUGUESE
Há 2 horas
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