[SONETOS À SEXTA-FEIRA]
LEONOR DE ALMEIDA (Marquesa de Alorna)
Retratar a tristeza em vão procura
Quem na vida um só pesar não sente
Porque sempre vestígios de contente
Hão-de apar'cer por baixo da pintura:
Porém eu, infeliz, que a desventura
O mínimo prazer me não consente,
Em dizendo o que sinto, a mim somente
Parece que compete esta figura.
Sinto o bárbaro efeito das mudanças,
Dos pesares o mais cruel pesar,
Sinto do que perdi tristes lembranças;
Condenam-me a chorar e a não chorar,
Sinto a perda total das esperanças,
E sinto-me morrer sem acabar.
ALICE MODERNO
OS MÁRTIRES
A Gomes Leal
A vida atravessaram, fustigados
Pelo rigor ignaro da ignorância;
Mas perseguindo o Ideal, com fervida ânsia,
Ao culto de uma Ideia devotados.
No aspérrimo percurso da distância
Do berço, à vala dos crucificados,
Não realizaram místicos noivados,
Nenhuma flor lhes deu sua fragância!
Mas ouviu-lhes os fúnebres gemidos
A consciência humana, que aos vencidos
Vai levar às geenas o resgate.
E hoje pairam mais alto que os condores
E mais gloriosos do que os vencedores
Que empunharam a espada no combate!
NATÁLIA CORREIA
ARS AURIFERA I
Do soneto que sémen e ovo inclui
Tal, prévio à queda, o ser original,
A primeira estrofe é fêmea e flui
Húmida e dócil ao coito mineral
Que outra estância supõe. Nela a possui
O pai plasmante p'ra que seja igual
O céu e a terra: amor que restitui
Ao início unicaule o bem o mal.
Ó verso essente! Concluso o hermafrodita,
Flamejante desponta com seis pontas
A estrela que ao poeta sela os lábios:
Misterioso nó que em sacra escrita
Cimos e abismos une. E ficam prontas
As letras em que chispa a luz dos Sábios.
MARIA ALBERTA MENÉRES
UMA PEQUENA PEDRA ESCONDE A LUZ
Uma pequena pedra esconde a luz
que dentro dela lhe ilumina o medo
qual coração sensível se reduz
para oculta melhor nenhum segredo.
No charco imundo a estrela que reluz
acende ao seio o sono tarde ou cedo
quando o pastor de ovelhas as conduz
por entre as redondilhas do arvoredo.
Minha mãe que soletras os meus dias
vendo que em entrelinhas se me esconde
o vício de escrever as alegrias,
diz-me as palavras de dizer por onde
hei-de inventar planuras mais vazias
se é que o silêncio em eco me responde.
LUIZA NETO JORGE
SO-NETO JORGE, Luiza
A silaba que o poema é estulto
o amado abre os dentes e eu deslizo;
sismos, orgasmos tremem-lhe no olhar
enquanto eu, quase a rimar, exulto.
Conheço toda a terra só de amar:
sem nós e sem desvãos, um corpo liso.
Tenho o mênstruo escondido num reduto
onde teoricamente chega o mar.
Nos desertos - íntimos, insuspeitos -
já caem com a calma as avestruzes
- ou a distância, com os oásis finda;
à medida que nos arcaicos leitos
se vão molhando voes e alcatruzes
ao descerem ao fundo pego, e à vinda.
POEMS FROM THE PORTUGUESE
Há 2 horas
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