(...)
Com a grande parte dos poetas, ó pai e ó filhos dignos de tal pai, deixamos enganar-nos por falsas aparências de verdade: forcejo por ser breve, em obscuro me torno; a quem procura o estilo polido, faltam a força e o calor, e todo o que se propõe atingir o sublime, descamba no empolado. Acaba, todavia, rastejando pelo chão o demasiado cauto, o que tem medo da procela; mas quem deseje variar prodigiosamente um tema uno, pintará golfinhos nas florestas e javalis nas ondas do mar. Procurando fugir do engano se cai no erro, caso não se possua a arte. Nas imediações da escola Emília, o mais ínfimo dos escultores moldará unhas de bronze e até nele imitará cabelos sedosos, mas será infeliz no acabamento da obra por não saber criar um todo. Se algo desejasse compor, não quereria assemelhar-se a esse, do mesmo modo que não me agradaria possuir horrível nariz, ainda que meus olhos negros e negros cabelos fossem dignos de admiração.
Vós que escreveis, escolhei matéria à altura das vossas forças e pesai no espírito longamente que coisas vossos ombros bem carregam e as que eles não podem suportar. A quem escolher assunto de acordo com as suas possibilidades nunca faltará eloquência nem tão-pouco ordem luzida.
A virtude e beleza da ordem consistirão - ou eu me engano - em que se diga imediatamente o que tem de ser dito, pondo muitos pormenores de lado e omitindo-os de momento: que o autor do poema prometido, ora escolha este aspecto, ora despreze aquele.
No arranjo das palavras deverás também ser subtil e cauteloso e magnificamente dirás se, por engenhosa combinação, transformares em novidades as palavras mais correntes. Se porventura for necessário dar a conhecer coisas ignoradas, com vocábulos recém-criados, e formar palavras nunca ouvidas pelos Cetegos cintados, podes fazê-lo e licença mesmo te é dada, desde que a tomes com discrição. Assim, palavras, há pouco forjadas, em breve terão ganho largo crédito, se, com parcimónia, forem tiradas de fonte grega. Por que motivo, permitem os Romanos a Plauto e a Cecílio o que recusam a Virgílio e a Vário? Se a língua de Catão e de Énio, produzindo novas palavras, enriqueceu o idioma pátrio, com que razão hão-de malsinar-me caso eu puder acrescentar-lhe algumas? Foi lícito e lícito sempre será lançar um vocábulo cunhado com o selo da modernidade. Assim como as florestas mudam de folhas no declinar dos anos, e só as folhas velhas caem, assim também cai em desuso a velha geração de palavras e, à maneira dos jovens, as que há pouco nasceram em breve florescem e ganham vigor. Nós e as nossas obras estamos fadados para a morte! (...)
(excerto de Arte Poética, tradução de R. M. Rosado Fernandes, editorial Inquérito, 1984)
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