26.3.06

MAX JACOB

A emoção artística não é nem um acto sensorial nem um acto sentimental; senão, bastaria que a natureza no-la desse. A arte existe, por conseguinte corresponde a uma necessidade: a arte é propriamente uma distracção. Não me engano: foi a teoria quem nos deu um maravilhoso povo de heróis, de poderosas evocações de ambiências em que se satisfazem as legítimas curiosidades e as aspirações dos burgueses prisioneiros de si mesmos. Mas é preciso dar à palavra distracção uma significação ainda mais ampla. Uma obra de arte é uma força que atrai, que absorve as forças disponíveis daquele que dela se acerca. Há aqui algo de semelhante a um casamento e o amador desempenha o papel de mulher. Tem necessidade de ser preso e retido por uma vontade. A vontade desempenha portanto, na criação, o papel principal, o resto não passa de um isco posto diante da armadilha. A vontade só pode exercer-se na escolha dos meios, porque a obra de arte mais não é que um conjunto de meios, e assim chegamos a poder aplicar à obra de arte a definição que eu dava ao estilo: a arte é a vontade de cada um se exteriorizar através dos meios que tenha escolhido: as duas definições coincidem e a arte mais não é que o estilo. O estilo é considerado aqui como o a execução dos materiais e como a composição do conjunto, não como a língua do escritor. E eu concluo que a emoção artística é o efeito de uma actividade pensante sobre uma actividade pensada. Sirvo-me contrariado desta palavra «pensante», pois estou convencido de que a emoção artística cessa no momento em que intervém a análise e o pensamento: uma coisa é fazer reflectir e outra é dar a emoção do belo. Identifico o pensamento com o isco da armadilha.
Quanto maior for a actividade do sujeito, mais aumentará a emoção dada pelo objecto; a obra de arte deve, portanto, afastar-se do sujeito. É por essa razão que deve ser situada. Poderia deparar-se-nos aqui a teoria de Baudelaire sobre a surpresa: trata-se de uma teoria um tanto grosseira. Baudelaire entendia a palavra «distracção» no seu sentido mais corriqueiro. Surpreender é pouco, é necessário transplantar. A surpresa encanta e impede a verdadeira criação: como ser encantador a não ser posteriormente, depois de a obra estar situada e ter estilo.
Distingamos o estilo de uma obra, da sua situação. O estilo ou vontade cria, isto é, separa. A situação afasta, isto é, incita à emoção artística; reconhece-se que uma obra tem estilo por dar a sensação de coisa fechada; reconhece-se que ela está situada pelo pequeno choque que ela provoca, ou ainda pela aura que a rodeia, pela atmosfera especial em que se move. Certas obras de Flaubert têm estilo; nenhuma é situada. O teatro de Musset é situado e não tem muito estilo. A obra de Mallarmé é o tipo da obra situada: se Mallarmé não fosse empolado e obscuro, seria um grande clássico. Rimbaud não tem estilo nem situação: tem a surpresa baldelairiana; é o triunfo da desordem romântica.
(...)
Uma obra de arte vale por si mesma e não pelas confrontações que dela se possam fazer com a realidade. Do cinematógrafo, diz-se «É assim mesmo!» Perante um objecto de arte, diz-se: «Que harmonia! Que solidez! Que elegância! Que pureza!» (...)

(excertos do Prefácio de 1916 a O Copo dos Dados, tradução de Luiza Neto Jorge, editorial Estampa, 1974)

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