JORGE ROQUE
Lado de fora
Lado de fora
Vida ou lâmina este vinco por onde dobro dias agudos, rumino a frase, enquanto percorro com a língua a linha da cola e alongo entre os dedos a mortalha enrolada, e fumo, fumo, o mesmo já sempre fumado, cansado, repetido (lembro-me de ouvir dizer que os drogados se pareciam todos uns com os outros, fico a pensar nisso). Pela janela o mesmo olhar de nunca ter visto, a mesma procura de nunca o ter sido, a mesma esperança de nada esperar (aquela cor desbotada de criança cansada que já nas fotografias da infância reconhece). Entre olhar e olhar, os dias que morrem , a vida que passa, lado a lado com o charro que arde e o sorriso que fazes para não te verem. Mas talvez te vejam do lado de fora em que não tês vês. E talvez sejas igual aos que de fora viste, como tu julgando-se escondidos.
(de Broto Sofro, Averno, 2008)
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