MÁRIO DIONÍSIO
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Pintura fácil poesia fácil
que bom sentir
tua frescura natural
Que bom dizer que sim a toda a gente
Azul o céu
as casas brancas
sol amarelo
O vermelho na telha
o verde na garrafa e na caruma
como olhos e abrolhos
paixão e coração
Que bom dizer que sim que sim que sim
poder sentir esta harmonia universal
tão salutar tão natural
(que não existe em parte alguma)
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Tudo começa num ramo
de oliveira
aberto em braços de que saem braços
luxuriosos caprichosos
vagarosos de abraços deslaçados
nos espaços
Prende-se nele a brisa em mil requebros lassos
complacente
Um bago branco Um bago azul
mil bafos de euforia
Na serena folhagem transparente
Solta-se quente aberta em leque
Uma quase alegria
Comprometida e inocente
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Altos cachões de espuma
com instantes de prata
Um corpo aqui se afunda
em seu tumulo de água
De extremo a extremo um pano azul puído e sujo
batido pelo vento em si mesmo desata um arvoredo
de mágoa
Rola no horizonte o peso
redondo e cavo dum balão de medo
Ao longe um eco verde
de lata
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Neste café quase deserto
não espero hoje ninguém
senão a cor difuso duma ausência
que não magoa e sabe bem
Uma palavra ou outra incompleta se recorta
na memória um minuto preguiçosa
só mal desperta quando a porta
se abre e fecha e entra alguém
que vai sentar-se longe ou aqui perto
O sol de inverno sinto-o nos dedos
como discreta ajuda carinhosa
a esta construída sonolência
tão espontânea sei lá em tanta gente
Que longe tudo o que procuro!
Ser como os outros todos um instante que seja e tão tranquilo e diferente!
sem planos sem segredos
sem história sem passado sem futuro
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Só tintas claras Delicadas
gradações de riso aberto e de frescura
clareza de mim mesmo agora mesmo vista
noutros olhos suspensa e repetida
nos olhos todos que a desejam sem procura
como se um bem o maior bem pudesse haver na vida
sem conquista
Tintas claras que sonho se me furtam sem remédio
Outra vez roxo e negro as vão cobrindo
e com elas quem amo e todo o resto
Ao branco se mistura um sujo breu que não é tédio
ou indiferença mas tristeza dum tempo em que se morre
em caves de tortura e esquecimento
as palavras de fogo só as ouve o vento
e os amantes se perdem no caminho
contra fantasmas que eles mesmos vão urdindo
Pintura escura negra pegajosa faço e a detesto
em raiva cega transformando o meu carinho
e de raiva criando um vão tormento
que tudo diz e diz tão pouco ou pouco mais que nada
Pintura negra e feia suja cujo visco de mim mesmo escorre
ao arrepio de cada pincelada
que minha mão por mão desconhecida vai pousando
e não posso apagar nem evitar nem acusar desventuradamente
ou iludir sequer com desespero amando e rebuscando e só traindo
a claridade impenitente
que em mim também já mal distingo e bem distingo estrebuchando
lá mais fundo até ao fundo ferida
e amordaçada
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Claridade violeta violenta
na face torturada
Indignação raivosa
e afogada
em amarelo fulvo e fosco
de surpresa e de roxo desencanto
Vem-lhe da grade um fio
vermelho vivo
que sinuoso corre pelo rosto
e ao canto da boca morta
um grosso empasto de branco
sujo de moscas e de pranto
(de Memória dum Pintor Desconhecido, 1965 – incluído em Poesia Incompleta, publicações Europa-América, 1966)
[Este livro foi considerado por Nuno Júdice como o melhor de poesia do século XX, no inquérito que está a ser feito pelo blogue Os Livros Ardem Mal. Fico contente por pertencer à meia dúzia de pessoas que sabiam que o livro existe.]
¿Hay lugar todavía para la esperanza?
Há 4 horas
3 comentários:
obrigada por teres colocado alguns poemas aqui, rui. :)
São todos muito bonitos, mas o poema "46" diz-me muito.
Não conhecia estes poemas ...
Nem a posição do NJ face a eles.
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