26.10.08

VICTOR SEGALEN

(excerto de) HOMENAGEM A GAUGUIN

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Outra desgraça nos reserva a intimidade do Sr. Gauguin, empregado bancário – e desgraça ainda mais estéril. Porque se Huysmans andava a procurar-se com volúpia desde novo e através do lodaçal da sua própria alma, se Rimbaud escrevia à profeta antes de atingir a verdadeira mocidade – Paul Gauguin, que a vida empurrava, não queria saber de pinturas. Consinta o leitor em espantar-se: nesta crónica de um grande pintor que logo ao princípio tem mais de vinte e oito anos, não estava em causa a pintura.
E com um paradoxo duplo, oposto aos exemplos anteriores, pode mesmo acreditar-se que as funções do dia-a-dia é que levaram Gauguin a contactar com as tintas. Huysmans explica isto chamando-lhe manifestação do Maligno que costuma meter-se na alma por todos os transpirantes poros da nossa pele... Pode supor-se que o demónio das Visões penetrou na presa ao Domingo, esse vazio que uma semana em cheio provoca no bom empregado. Um belo domingo, para matar o tempo, Gauguin pôs-se a pintar. Vai objectar-se que uma fatalidade idêntica poderia tê-lo feito pescar à linha; ou ainda que o gosto de pintar fica a dever-se como em Taine, esse bom examinador, a uma influência do meio (mas o próprio Gauguin regista que Taine falou de tudo, excepto de pintura) e pode dizer-se, com Jean de Rotonchamp [Um dos primeiros, se não o primeiro, biógrafo de Gauguin. (N. do T.)], que «em casa de Gustave Arosa, seu tutor, o futuro artista do Cristo amarelo talvez tenha adquirido um amor latente e não pressentido pela obra pintada, pois esse Gustave Arosa... dotado de fino gosto, reunira em sua casa um certo número de telas da escola moderna...». Mais valerá reconhecermos a geradora virtude do Domingo num bom empregado, e a sua maleficiosa virtude, pois nesse mesmo dia, descanso do Criador, é que o Maligno actua e dá febre aos amaldiçoados entre os homens, seus filhos de orgulho e revolta: os artistas, os Foras-da-lei. Em tudo isto quero ver uma predestinação autêntica!
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(in Noa Noa, de Paul Gauguin, precedido de Homenagem a Gauguin, tradução de Aníbal Fernandes, Assírio & Alvim, 1985 - Arte e produção)

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