29.10.08

MÁRIO DIONÍSIO

(excerto de) Antiprefácio

[...] Porque poesia é vida – como diz o lugar-comum, e por alguma razão se trata dum lugar-comum –, mas vida na sua mais recôndita e autêntica, mais renitente realidade, no momento luminoso em que se dá conta de que está a sê-lo, a tornar-se possível, a tomar, por vias imprevisíveis, consciência do seu estado permanente de mudança. Um momento de prodigiosa paragem no seio da mudança constante com que a própria vida se confunde, palavra reveladora, salvadora, destruidora, busca que nunca encontra tudo e nunca desiste de buscar, vitória sobre toda a renúncia, mesmo quando fala de renúncia, grande janela escancarada ou estreita fresta que apenas se entreabre ou promete entreabrir-se no que teimosamente tenta fechar-se, acabar, desumanizar-se e, por ela, mais e mais se humaniza, permanece, mas transformando-se e, transformado, transformando. Ou não será isso que, para lá de todas as outras distinções, distingue estes objectos novos, feitos de palavras e espaços, dos outros objectos todos, uma mesa, um copo, uma cadeira, a máquina mais complexa que possa imaginar-se, por vezes tão belos, sim, mas só quando (só porque) a poesia os liberta da sua perfeição definitiva, acabada, esgotada, e criadoramente os toca de incompleto?
[...]

(de Poesia incompleta – 1936-1965, publicações Europa-América, 1966)

1 comentário:

isabel mendes ferreira disse...

que descoberta.....

que prazer.



há muito anos...o tempo é uma faca. falei Dele para um jornal...


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Mestre.

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cumprimentos.