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Desmoronavam-se e choravam gente.
Caíam-lhes, dos agora muitos olhos que tinham, muitas pessoas.
Lentamente se despenhavam de todos aqueles olhos que eram de vidro partido mais pessoas do que todas quantas ele jamais vira.
Achou-se a cair com elas, a cair entre elas.
Sendo imensa, embora mansa e vagarosa, quase meticulosa, a tristeza de todos.
Uma tristeza feita de espanto, desconcerto e desilusão.
Angústia era a sua por os ver assim.
Enquanto lentamente caíam.
Contavam, enquanto caíam, uns aos outros, quem eram, o que faziam, o que fariam essa mesma tarde se não fossem morrer dali a nada, e o que fariam naquele ano.
Os que estavam caindo em seu redor espantaram-se de o ver ali, e assim, naquele propósito de queda, levando um chapéu, que não era uso.
E não seria, sentiu ele, só isso, porque todos o olhavam de uma forma assim a modos que culpabilizadora, mas contida.
Além de que tinham de cuidadosamente cair, para não chocarem uns com os outros, e assim inutilmente se magoarem antes de morrer.
E, sempre a cair, mútua e muito polidamente se ajudavam, caia por aí que eu caio por aqui, cuidado que vem mesmo este senhor a cair sobre si, com licença, muito obrigado.
Ele só pensava numa coisa: a fome, que não me matou até hoje, sobreviver-me-á?
(de A ração do céu, editorial Notícias, 2001 – Outras Narrativas)
2 comentários:
Grande abraço e votos de um SUPER NATAL, muito feliz e com a família por perto.
Que a saúde seja o melhor presente deste Natal.
Conheço pouco do Artur Portela, mas este texto é lindíssimo. O último parágrafo é comovente. Muito bom, mesmo.
Beijo
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