JOÃO CAMILO
AS CRINAS DO VENTO
O vento: música ou murmúrio da árvore.
Encosta a obsessão à parede branca dos quintais.
Vento de mar? E jovem leva a nuvem.
Os sinos de bronze, o cimo das searas:
viver é brusco, tão incerto.
E a minha mão, desabituada de sentir que toca
e é gesto
e me deixa possuir,
a minha mão quer a janela aberta. O vento não tem,
não, não tem
crinas.
Nem as costas luzidias de cavalo ou égua.
Áspero,
vidro partido espetado na terra.
Os dentes de uma serra,
espaço de repouso e cume que agride.
Pôr a mão em tanto
e sem respirar
quando parecia que era tarde e apenas
hora de dormir?
ABRIL PROVENÇAL
A noite de primavera imobilizada na sua quietude.
O ar quase quente, o azul do céu entre os ramos das árvores,
enquanto na avenida as pessoas não paravam de passar.
Um rapaz em tronco nu deitava-se nos vidros partidos,
um violino e uma flauta cantavam na esquina de uma rua.
Os braços despidos das raparigas, os olhos com que elas olhavam,
com sombras azuis na pele tão jovem das pálpebras.
E debaixo das camisas os seios nus como os rebentos nas árvores
iam surgindo do inverno, incitavam-nos a ver no verão
o tempo da nossa plenitude. A noite: horas que o sol
usa para colorir frutos distantes de outros continentes.
E raparigas aproveitam para sorrir nas margens desses rios,
no centro dessas cidades, às janelas entreabertas sobre a manhã.
Concentrada na perfeição em que se fixara,
a cor azul, como a ausência de vento, dir-se-ia eterna,
destinada a noite a não viver senão certa idade jovem,
a morrer adolescente nos braços trágicos de uma luz brusca.
(de Para a Desconhecida, Fenda edições, 1983)
Ladainha dos póstumos Natais
Há 1 hora
1 comentário:
Neste blog de arquitetura simples tanta qualidade poética. Gostei muito daqui. Abraços. Domingos.
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