30.3.10

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Os templos gregos, como as estátuas dos Kouroi e os vasos de Dípilo, tentam medir o divino. Mas a tragédia mede a distância que separa os homens dos deuses. Aquiles, semelhante aos deuses na linguagem de Homero, traz em si a veemência dos deuses mas traz também a falha dum calcanhar vulnerável porque é um homem para a morte. E a tragédia é a parte de Édipo porque ele quis estar presente a todo o seu destino.
Pois o mundo grego nunca é o mundo da pura serenidade apolínea. O espírito apolíneo aparece sempre conjugado com a força dionisíaca. E o chaos, anterior a tudo, assedia o kosmos. A claridade grega é uma claridade que reconhece a treva e a enfrenta. A claridade daqueles que interrogam a esfinge e que penetram no labirinto para combater a escuridão e a violência do toiro.
Os Gregos inventam a tragédia porque sabem que a treva existe e a interrogam e a enfrentam. Porque sabem que o chaos está na origem e permanece latente. Porque sabem que o chaos é abismo hiante.
Hesíodo diz:

«Pois antes de tudo era o chaos.»

Na Bíblia antes de tudo há deus e o nada. A partir desse nada Deus cria as coisas.

(excerto de O Nu na Antiguidade Clássica, 3ª edição: editorial Caminho, 1992)

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