1.4.10

MANUEL ZIMBRO





[...]
a luz é imensa atenção
com essa capacidade, a forma iluminada pode reflectir tanta luz que chegue por vezes a parecer ser forma luminosa – sem forma.
há luz opaca e sombras transparentes, ao luar.

chega mesmo a haver engenhos chamados de informação ou comunicação que parecem ser formas luminosas
e, como se fossem um sol, gerem a tal ponto o mundo da ilusão, que a angústia ou tédio já os tornou indispensáveis, como uma droga.

entretanto, entre outras coisas, a atmosfera atravessada por esses sinais em delírio, também delira,
quando, por exemplo, tem uma cebola para germinar,
então intervêm as perversas astúcias químicas, para fazerem o que a natureza já não é capaz.
o lixo que se produz, seja sólido, líquido ou gasoso
é proporcional ao consumo que se faz
e quem consome é a mente
consumindo-se com o lixo.

originalmente no homem não há nem bondade nem maldade,
são ideias fixas
a história passada, projectos futuros, que o fazem perder a origem
perder a criadora capacidade de a gerar
sem ela, basta um pequeno passo, e entra-se logo em "mecanismos" de isto ou daquilo.
a mente "em-si" faz só avarias.

a mente de um homem só pode produzir imenso dano (hitler)
a mente de um só homem pode produzir a reparação (possível) desse mesmo dano.
mas o melhor é não produzir nada.
e isso só pode ser produzido pela não-mente
esta produção é a única, em todas as direcções, profundamente real.
é esse o verdadeiro trabalho.

se bem que todo o corpo possa captar luz, é pelas costas bem direitas por onde ele a recebe mais,
se bem que todo o corpo possa reflectir luz, é no silêncio dos sentidos por onde ele mais a reflecte,
e muito especialmente pela mente em silêncio.

em silêncio brilham os olhos que não focam, e tudo vêem
em silêncio encontra-se a língua sem gosto, com todo o gosto
em silêncio move-se o nariz sem cheiro, por todo o cheiro
em silêncio presta-se o ouvido ao silêncio que tudo ouve
em silêncio abrem-se as mãos que nada têm, e tudo possuem
em silêncio a luz da não-mente, sem querer, tudo reflecte
como um espelho vazio.
tudo é dar, e dar, e dar, não há bloqueio, não há obstrução
nenhuma migalha de luz é retida "em-si"
como poderia ser? se não há "em-si" que a retenha.

por muito mal que tudo esteja, tudo está bem como está,
há que ter a capacidade de tolerar mesmo a obstrução da luz
por um lado reconhecer a contingência de ter de adaptar-se à que há
por outro lado, não confundir nesse processo ter de adaptar-se com habituar-se
acomodar-se e favorecer um estado de coisas que cada vez mais a deteriora.
[...]


(reprodução de guache e excerto de texto de TORRÕES DE TERRA notas de um lavrador para encontrar o céu e a terra, editado com apoio de Assírio & Alvim e por “conta e risco” do Autor, s. d.)

Sem comentários: