14.12.03

DANIEL FARIA

DO LIVRO PRIMEIRO DA NOITE ESCURA, DE SÃO JOÃO DA CRUZ 3


A princípio as palavras alumbram. Porque no escuro
O coração pára de correr. Secando a água
Secam os caminhos, perdem-se os companheiros
De viagem, perdem-se as casas dos vizinhos.
A noite a princípio é o homem sem casa, é o lugar
Em silêncio. É a humildade humedecendo
O corpo descalço e consumido.

A noite activa a noite - é um motor imenso
De lume. O arbusto a princípio é a própria inclinação
Da cabeça
Queimada nos cabelos, consumida em pensamentos

A princípio não se entende a sede, a inclinação, o vazio
E vamos cavando de lugar em lugar a expansão
Do arbusto que transborda. De toda a terra
à alma é a mais árida - um imenso motor em chama
Nos mecanismos da viagem ardente

A princípio não se sente
O amor - a humidade amanhecendo
O coração ressequido

(de Dos Líquidos, Fundação Manuel de Leão, 2000 - este livro foi reeditado recentemente, juntamente com outros e com poemas inéditos, pelas edições Quasi)

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