FERNANDO GUIMARÃES
Nasceu em 1928.
As nossas mãos, ao abrirem um livro, por vezes detêm-se subitamente.
Mas logo outro movimento principia, o dos olhos que procuram não as mãos que seguram o livro, mas aquelas que o escreveram. É, então, que se encontram aí novas palavras. Elas são as que efectivamente lemos, mas não lhe pertencem agora. Desapareceram para que o livro seja escrito desde o princípio.
(texto inicial)
O que podemos esperar? É mais perto que vês
um caminho. A ele nos habituamos. É deste modo
que consegues compreender-me melhor. Reparas agora
como os gestos podem ficar reduzidos a um único
movimento e as cores à mesma transparência
que as há-de tornar maiores. Encontras o sentido
que pertencia a tudo, para que finalmente seja
apenas nosso, como se olhássemos para longe.
(da sequência Acerca do Sentido)
O olhar diante de outro olhar o que vê? Antes
era a distância entre ambos, esse relance súbito
que se torna interior, o seu cume tranquilo
dentro de cada imagem. Há um novo segredo
que vinha ter connosco e ali ocupa o espaço
que não é de ninguém. Assim foi o princípio
tão súbito dessa perda para que seja a leve
intimidade de em tudo haver o mesmo encontro.
(da sequência Lições de Trevas)
SEGREDO
Os gestos que esconderam qualquer rosto.
E mais nada. O que sentes lembra agora
uma enseada ao longe. Assim o modo
de surpreender mais cedo o que era a mesma
imagem que sujeita a própria ausência
ao que por ser assim contém a nova
vontade de encontrar uma mais íntima
direcção insuspeita que se alonga
noutro sentido até ficar oculta
só por instantes no que se aguardava
há muito: este segredo onde procuras
um rio ou uma ponte, os gestos leves
sobre o rosto voltado para nada
daquilo que foi nosso e assim se perde
(da sequência Seis Poemas)
Caminhamos até este lugar. Fecho os olhos para conhecer
o que se torna igual a uma promessa. As flores morrem nas jarras
e deixam cair ao longo dos caules um peso estranho. Tu reparaste
na sua transparência. Como era íntimo esse movimento capaz de vir
percorrê-las para ser menor esta destruição. É assim que principia
a perda do mesmo brilho que existe à nossa volta. Já nada
espero e, por isso, deixei que de mim o tempo se afastasse. De longe
chega uma voz e ela procura os lábios vazios até ficar dispersa
pela névoa. É talvez uma única palavra. Há quem julgue
que se trata da pronúncia que passa por uma ferida.
(da sequência Considerações de Ovídio acerca do seu desterro)
(poemas do livro Lições de Trevas, edições Quasi, 2002 - biblioteca “uma existência de papel”)
dois docinhos do Xana
Há 8 horas
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