2.8.09

[morreu ontem – ver notícia aqui e aqui]

M. S. LOURENÇO

III


Vejo que não queres a equação de uma linha,
Os pontos compostos todos à sua volta,
Uma regra para dispor em cada caso
A ordenar por dentro o conjunto inteiro.
Não queres, dizes, a máquina funcional
Que calcula a posição de cada ponto –
Deixa-los expandir ao acaso, uma nebulosa
Que cresce sem limites num impulso variável.

Que linha é essa no entanto quando olhas
Sem ver nas partes um eixo dominante?
Em breve o horizonte esgota-se e o que fora
Uma explosão do sol é uma área trivial.
Extinto o cânon não distingues mais
Uma barra firme dum traço instável.
Por fim vibras com o intervalo subtil,
Voltas do nó orgânico à fuga poligonal.

Não se tocam as linhas de um compasso,
Deixam-se suspensas numa presença imóvel,
Perpendiculares ao fundo a bater o tempo,
Um guia silencioso no texto medieval.
Ficam a raiz do desenho, o arame da frase
Como um esqueleto de metro no meio do verso livre:
Soam no osso a respiração do bloco,
Um andaime dobrado numa fibra contínua.

Não há volumes de uma só faceta
Em movimento paralelo ao mesmo plano.
Não medimos só ponto contra ponto
Nas imagens discretas da mesma linha,
Mas também o acordo da figura vertical
Em que o bloco ressalta integrável.
A treva desce aos vapores do fundo:
A face sua oblíqua através do espelho.

(de Arte Combinatória, Moraes editores, 1971 – Círculo de Poesia)

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