20.9.11

ANA MARQUES GASTÃO


G


Água incerta somos
na incompleta odisseia
ou no escasso júbilo.
Todo o cristal sombrio
é menor que a agonia.

Eloi, Eloi,
os homens separam-me dos homens
e Tu, elegia ininterrupta, estás só
como um cisne envenenado pelo sangue.


O


Os justos - esquartejados
por uma cidade distante
condenados a espargir
o suor em terra morta.

Perdidos e sobrevivos
no tormento, não são
mais do que atletas
na senda de deus.


Z

No princípio eras Tu, no fim Tu serás 
e no meio dormem os homens um longo, 
longo sono onde o tormento se faz carne 
e habita entre nós. Porque ninguém jamais 
Te viu. Outros virão, outros, outros e outros 
para consumar o círculo da vida, os que chegam 
depois de Ti e nunca antes, ou não fosses Tu 
o princípio, ordem e silêncio de todas as coisas.

No princípio eras Tu, no fim Tu serás 
e no meio conhecem os homens a dor 
e a devastação, a fome e a ruína, a solidão 
e a injustiça. Porque ninguém jamais Te 
viu. Nem os que choram, nem os que riem 
nem os aflitos, nem os doentes, nem os que 
envelhecem nem os que, fatigados, morrem.

Eloi, Eloi
quem te ama chora.

No princípio eras Tu, no fim Tu serás.




(de O Silêncio de Deus, in Três Vezes Deus, Assírio & Alvim, 2001 - documenta poetica)

Sem comentários: