[a propósito da saída do mais recente, entre hoje e o próximo sábado, irei aqui publicar poemas de cada um dos sete livros de Ana Marques Gastão]
ANA MARQUES GASTÃO
Nem os velhos mestres o entenderam.
Quando o sofrimento irrompe, cipreste,
as crianças sabem: o silêncio estilhaça-se.
Na terra batemos, os mortos desenganados.
Ficamos inquietos à espera que o sangue naufrague.
Inocentes como cordeiros, projectos sem construção.
Carne mutilada, nada te altera.
Nem a palavra porque também haverá a sua morte.
Sem paraíso dorme a criança no seu berço-caixão.
Vida molesta que nem os seus moribundos reclama.
Entre o teu corpo, o dia, a ausência,
a viúva, a órfã, o pai e a mãe...
O lamento lacónico, o mundo sem júbilo.
Entre o teu corpo e o dia, o grito desamparado
de um futuro rebelde que já não volta
e a esperança, minha ténue esperança
de ter visto um rapaz caído do céu.
ANA MARQUES GASTÃO
Nem os velhos mestres o entenderam.
Quando o sofrimento irrompe, cipreste,
as crianças sabem: o silêncio estilhaça-se.
Na terra batemos, os mortos desenganados.
Ficamos inquietos à espera que o sangue naufrague.
Inocentes como cordeiros, projectos sem construção.
Carne mutilada, nada te altera.
Nem a palavra porque também haverá a sua morte.
Sem paraíso dorme a criança no seu berço-caixão.
Vida molesta que nem os seus moribundos reclama.
Entre o teu corpo, o dia, a ausência,
a viúva, a órfã, o pai e a mãe...
O lamento lacónico, o mundo sem júbilo.
Entre o teu corpo e o dia, o grito desamparado
de um futuro rebelde que já não volta
e a esperança, minha ténue esperança
de ter visto um rapaz caído do céu.
--//--
Dou-te um nome, Ulisses,
és fragmento do que encontraste.
Salvam-se as horas pela estrada que se segue
pelos astros que governam os céus.
O tempo é frágil, conheces tu o cantar de outrora?
Teme o olhar que te fita, vigilante,
ele não vê a mesma árvore do que tu.
A natureza é estéril sem o Homem.
Verme doente, tem o teu cérebro forma?
Átila, amei-te um dia...
No dia em que me separei de mim própria
conheci a verdade negra. Desacato.
Sonhei com um velho que se desmembrava.
Veio a palavra e destruiu o exílio.
O transporte diz~se místico e leva-me para longe.
Vê: a saudade casta dobra a melancolia.
--//--
Delírios confusos, absurdo.
Vai pálido o anjo, ri o demónio.
Hoje o meu deus não se vê.
Sou sombra num paraíso perdido.
A terra consome meus olhos azulados.
Criatura frágil, ouvem-se teus gritos.
Voz de espinhos,
máscara morta.
Noite cerrada, danúbio sem sol,
tempos houve em que fui cor resplandecente.
Tu, da estirpe dos que tecem o cabelo de aço,
encheste a casa de trevas róseas.
Livro ensaguentado, cortejo de horrores.
Deixa-me as insondáveis delícias do Homem livre.
E a glória de se estar só.
(de Tempo de Morrer Tempo para Viver, Universitária editora, 1998)
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