JÚLIO RESENDE
(imagem daqui)
ANTÓNIO OSÓRIO
OS MENINOS DE JÚLIO RESENDE
Os meninos de Júlio Resende ignoram a morte? Jogam, divertem-se, voam. E voam tão alto que Resende exara a palavra perfeita: «Os meninos no voo das estrelas.» Crianças, no Nordeste do Brasil, pobres e gloriosas.
Revejo-me nelas de modo diferente. Igualmente ágil e exultante, dentro de um baloiço, também eu voava. E pareceu-me que esse júbilo chegava ao ponto de tocar no próprio tempo, irremediável erro, porque o tempo é de todas as nossas personagens a mais acompanhante e a mais indiferente.
Vendo os meninos, recordo outras coisas, que me davam o mesmo sentido da alegria. Tocar na areia da praia, escorrê-la pelo corpo; ver a chegada firme, longa, majestosa das ondas na praia de Tróia, que foi a primeira praia; ouvir a Odisseia e os sonetos de Camões; o prazer inacabável da leitura. Eis os instrumentos de voo, que me fizeram como sou, reconhecido e atormentado.
Os meninos de Júlio Resende continuam vivos. O contentamento deles acompanha-nos. Num pedaço de papel, colocado sobre leve armação, uma cruzeta de cana, soltam ao vento o papagaio, e sabiamente brincam com o voo das aves, porque tudo isso os conduz perto das estrelas. O mundo da natureza e o mundo dos homens inspiram os jogos das crianças, mas a si próprias voltam, livres de mágoa.
(de Libertação da Peste, Gótica, 2002)
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