PAULA REGO / ANA MARQUES GASTÃO
SIT
Sou, na economia das coisas, um paradoxo
— da verdade não há visão ou consciência.
Sento-me. A cronologia de um corpo cumpre
o horário do paraíso num tempo incompatível,
mas sei: propagar-me é propagar o terror.
A dor, como a alegria, tem os seus locais
de transporte, arruma-se no espaço de uma estrofe
débil, cidade contígua na ambiguidade sacrificial.
Dizer: movo-me, mas não; estou aqui, cérebro colado
aos pés como uma polaroid translúcida.
Partiram-se as mãos e a cabeça jaz esquartejada no espelho
estilhaçado. Fica: não falarei do amor enquanto a luz
transpuser as trevas, ainda que ao som de uma ópera
menor. Prefiro a pródiga imagem do que me falta,
a imprecisão dos mortos. Fosse esse o regresso
a um pensamento nítido, de que reconheço o traço
no papel, caligrafia de um tudo anterior, e eu seria
a definição da noite. Mas não: tenho algo de mim
pregado a uma estúpida elipse, o útero é paisagem
sem fruto ou fatigada casa e a memória, rugosa
e mínima, desmembra-se como um breve sinal
de vida extinta na passagem do dia.
Este o amor que não foste
Este o amor que não foste
Este o amor que não foste
Sit, 1994
SIT
Sou, na economia das coisas, um paradoxo
— da verdade não há visão ou consciência.
Sento-me. A cronologia de um corpo cumpre
o horário do paraíso num tempo incompatível,
mas sei: propagar-me é propagar o terror.
A dor, como a alegria, tem os seus locais
de transporte, arruma-se no espaço de uma estrofe
débil, cidade contígua na ambiguidade sacrificial.
Dizer: movo-me, mas não; estou aqui, cérebro colado
aos pés como uma polaroid translúcida.
Partiram-se as mãos e a cabeça jaz esquartejada no espelho
estilhaçado. Fica: não falarei do amor enquanto a luz
transpuser as trevas, ainda que ao som de uma ópera
menor. Prefiro a pródiga imagem do que me falta,
a imprecisão dos mortos. Fosse esse o regresso
a um pensamento nítido, de que reconheço o traço
no papel, caligrafia de um tudo anterior, e eu seria
a definição da noite. Mas não: tenho algo de mim
pregado a uma estúpida elipse, o útero é paisagem
sem fruto ou fatigada casa e a memória, rugosa
e mínima, desmembra-se como um breve sinal
de vida extinta na passagem do dia.
Baying, 1994
LATINDO
Este o amor que não foste
nem nunca serás
de tanto o amar
esgotaste-o
olhando a frio
o teu delírio.
Este o amor que não foste
nem nunca serás
de tanto o tocar
apagaste-o
em contrário, inusitado
caminho.
Este o amor que não foste
nem nunca serás
de tanto o escreveres
gastou-se,
no labor
de uma gélida surdez.
Este o amor que não foste
nem nunca serás
de tanto o contemplares
fugiu-te
incapaz de suportar
a página
e o seu branco uivo.
Up the Tree, 2002
UP THE TREE
O voo do poeta
traduz
uma obsessão
projecta-o para fora de si
é nevralgia
de uma pátria em exílio.
Céptico
das palavras
o poeta
constrói voando
a voluptuosa
fúnebre alegoria.
Nada mais lhe importa
no turbilhão
da sua trágica
misteriosa
ilusão: aprender
a derrota.
Enfermo de si próprio
o poeta
profetiza a catástrofe
é um subversivo
do delírio
ave do desespero.
Sobre a sua mão
desfeita
anda tão tão devagar
ou então veloz
brinca
com o irremediável.
(de Nós / Nudos, Gótica, 2004)
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