GRACILIANO RAMOS
(excerto de Memórias do Cárcere, 1ª edição portuguesa: Portugália Editora, 1970)
De manhã, ao lavar-me, notei que alguém se esgoelava no chuveiro próximo, recitando 'Os Lusíadas':
As armas e os barões assinalados...
A água jorrava com forte rumor, alagava o chão; diversas torneiras abertas, resfôlegos, gente a esfregar-se, magotes conversando à porta, aguardando vaga. O vozeirão dominava o barulho:
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A fé, o império, a uretra...
Dei uma gargalhada, ouvi este comentário:
- Hoje não se dilata império nem fé. Essas dilatações vão desaparecendo. Agora o que se dilata é a uretra.
(excerto de Memórias do Cárcere, 1ª edição portuguesa: Portugália Editora, 1970)
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