PEDRO DA SILVEIRA
Nasceu em 1922, na Ilha das Flores.
Foi agricultor, jornalista, delegado de informação médica, historiador, tradutor e bibliotecário na Biblioteca Nacional até 1990. À data da morte, tinha em preparação nove livros de poesia. Escreveu artigos para enciclopédias e, como fornecedor de testemunhos, foi um precioso auxílio para muitos investigadores e estudiosos da literatura portuguesa.
Morreu no dia 14 de Abril deste ano.
Talvez um dia a minha poesia seja
simples e natural
como um corpo de mulher abrindo-se ao amor.
Poesia simples, sem ódios nem revolta.
Poesia que fale
Só de cousas belas.
...E, liberto talvez do sonho antigo de evadir-me,
não me perturbará mais a presença longínqua
dos transatlânticos passando.
Ai,
Simples e natural
Como uma canção de berço.
(de A Ilha e o Mundo, 1952)
Uma ave, no vento,
e o grasnido
da ave.
Que alegria lhe desata
Nos nervos
O vento!
Mais que sentido,
visível
o vento.
[Diário de Bordo]
11. (Angra revisitada)
De cada vez que volto
não volto: re-vivo,
tenho doze anos.
Maravilhado, re-cresço.
Angra:
foste a segunda pátria
onde botei raiz,
o meu primeiro
(adolescente)
País do Encantamento!
Tão velha, ó minha
Angra sem heroísmos!
Tão velha e sempre
tão linda!
(de Sinais de Oeste, 1962)
MEMÓRIA VAGA
Era um vapor que passava
e o seu rasto na água.
Era uma ave suspensa
no redondo do céu.
Era a tarde e a sua
luz esmaecente.
E eram as nossas mãos
que se uniam
em silêncio.
DÍSTICO
Todas as distâncias são a mesma distância,
ir ou vir o mesmo, se ninguém nos espera.
(de Corografias, Perspectivas & Realidades, 1985)
À MARGEM DE UMA BIOGRAFIA DE RIMBAUD
Saído da Batávia fugido, desertor procurado
do exército colonial holandês,
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud, de vinte
e dois anos de idade e francês de nação,
que não sei se viajou como passageiro
ou (pagando assim a passagem) matalote engajado
do cliper inglês que aceitou trazê-lo para a Europa
e que fez, passado o Índico, escalas no Cabo
e Santa Helena e a Ascensão e o Faial,
em que aportou em não achei que dia
do começo de Outubro de 1876;
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud, já dito,
vagabundo, poeta (ainda?),
não escreveu que se conheça
tão-pouco uma carta à família em que conte
como era a Hora naquele tempo.
E também, infelizmente, nenhum dos três
jornais que havia na pequena cidade ship-chandler
deu notícia que ele a visitava (ou visitara)
nem de modo indirecto denunciou a sua passagem por lá,
por exemplo relatando alguma desordem
na Rua Velha ou na Rua do Mar.
se bem que acolhendo as musas, os jornais da Horta
normalmente evitavam (quanto possível)
trazer nomes de criaturas como as Paciências,
a Cordeira, as Blicas, a Aparquinha, a Madraça,
criaturas afinal tão filhas de Deus como o poeta Rimbaud,
que, calem-se ou digam-no hipotéticas inéditas crónicas,
foi a casa de alguma delas,
sabedor decerto do preço em boa conta
dos seus rimiformes predicados.
MALDIÇÃO SOBRE A ETERNIDADE
(imitado do chinês)
A António Osório
Das árvores que plantei
nenhuma já me pertence
e de quase todas nem comi
ou sequer vi os frutos.
Sempre soube que devemos morrer
E penso que é melhor
não se saber quando nem como.
E quanto ao que deixámos,
não se recorde de quem foi.
Que só assim somos eternos.
(de Poemas Ausentes, edição O Mirante, 1999)
[começaram a ser editadas, em 1999 pela Direcção Regional da Cultura dos Açores, as obras de P. da S., com o título genérico Fui ao Mar Buscar Laranjas, cujo primeiro (e único até agora) volume inclui, além dos seus dois primeiros livros, Primeira Voz, até então inédito]
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