[na senda das excelentes contratações do Quartzo]
NICOLAU SAIÃO
Nasceu em Monforte do Alentejo, em 1946.
É também pintor e publicista. Colabora com alguma imprensa local.
Desde há dias é também colaborador deste excelente blog.
HOMEM
Casas novas, número vinte e dois
diz o guarda-fiscal reformado. A boca
estampa no vidro
um desenho recortado. Um pulôver branco
- que bafo! - adeja, desconfiado. É a flor do Inverno
ruga que pouco a pouco chega. Casas novas
casas novas: bilhete humano rasgado.
Foi por esse caminho que passaram
Baco, Nitzsche, Colombo e Abu-Rahman?
AS LUZES
Vagamente inquietos
sobre a secretária
como anões cercados de lodo
como insectos enormes e ofegantes
iluminados flutuam
e violentam a carne
das praias quando amanhece
e a trovoada aparece
com seu sexo de safira
Na invenção mais mortífera
que o nevoeiro contém
lentamente se despenham
incorruptos
Os poemas esqueceram
revoltaram-se e são homens
com o seu hálito de arsénico
como amantes invisíveis.
(de Os Objectos Inquietantes, editorial Caminho, 1992)
DOIS
O tempo
O tempo, quando um grande vazio de repente finda
como em obras de paixão/ a porta que bate e já começa
a deixar a marca leve, quase de acaso para fora
das presenças que anos futuros não mais terão por si
mesmos/ contam eles, sobre outra forma conseguida
achada, que é como quem diz, numa revista destroçada
Para depois
Dizemos todos/ como estradas sem ninguém, como gaiolas
onde os pássaros para antes deixam sua imagem fotografada
e a nossa memória tem de súbito poucos poucos meses
mas mesmo assim revive sobrevive/ como um assobio
E por isso para fora a voz é uma estrada
uma folha que paira/ ou rua para dentro doutro momento
como uma criança soprada oscilante ressoando
tal qual para fora a infinita mágoa
de uma lembrança encontrada depois perdida/ dizem todos.
RETRATO
Sim, elas têm nome: metade
calando-se, metade
subindo
escuras como cascas
ou como vidros quebrados.
Terça-feira, quarta-feira
- perfis abandonados
números e acordes
inúteis.
Chamam-lhes o que preciso
fôr: nenhum receio obriga
a metade que são
ausente
a qualquer coisa dor
fundo nos ossos.
VAN GOGH
Com um tiro, Vicente?
Entre a casa e o sol?
Então para quê
o vermelho ante o céu?
E o inferno para tanta gente?
E a noite tremendo
de frio?
Nanja eu!
Prefiro comer um chapéu
um caracol
ou a capa do meu tio.
(de Flauta de Pan, edições Colibri, 1998)
POEMS FROM THE PORTUGUESE
Há 2 horas
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