20.2.04

[SONETOS À SEXTA-FEIRA]

FERNÃO ÁLVARES DO ORIENTE


Mata, não tira Amor o mundo à pena,
Procura mal, não bens; cega, não guia,
Escura noite traz, não doura o dia,
Desata, não confirma a paz serena.

A ingrata, não alegre sorte ordena,
Dura nele só mal, não alegria,
Segura n'alma dor, não glória cria,
Trata-nos mal, não bem, sempre na pena.

À vida triste não faz ledo o rosto,
Banha d'águas, não de prazer o peito,
Tirano, não já rei, mora aos seus n'alma.

Convida-nos ao pranto, não ao gosto,
A sanha mostra, em nada ao mundo aceito,
Engano usando, não ofrece a palma.

(fixação do texto de Isabel Almeida)


MARTIM DO CRASTO RIO

Perdi-me dentro em mi como um deserto,
Minh'alma está metida em laberinto,
E posto em tal perigo já me sinto
Cair noutro maior, nele encoberto.

Tenho o socorro longe, a morte perto,
Pois vivo do que temo e do que sinto,
Se alguém me quer valer não lho consinto,
Por vir o que receo a ser mais certo.

Nova invenção d mal, novo tromento,
Sr cutelo da vida a própria vida,
Ser desatino usar do pensamento.

Vingai-vos, dor cruel, dor conhecida,
Que a vosso pesar sei do entendimento
Que em grande dor não há vida comprida.

(fixação do texto de Isabel Almeida)


(atribuído a) Frei BERNARDO DE BRITO

SONETO EM QUE MOSTRA A EFICÁCIA DA FORMOSURA DE SÍLVIA


Querendo amor ficar com vencimento,
de quem o teve já de seus ardores,
mudou a ordem antiga dos amores
em novo e desusado fingimento.

E disfarçado enfim neste ornamento,
embrenhado uma tarde entre mil flores,
na'ljava concertou três passadores
para render de Sílvia o peito isento.

Passava descuidada a Ninfa bela,
e olhando com desdem ao moço esquivo
d'amores o matou no mesmo instante.

Se amor morreu de amores só com vê-la
quem poderá ficar no mundo vivo
à vista de uma vista tão possante?

(de Sílvia de Lisardo - fixação do texto de Fiama Hasse Pais Brandão)


D. FRANCISCO MANUEL DE MELO

Vária ideia estando na América, e perturbado no estudo por bailes de Bárbaros.


São dadas nove. A luz e o sofrimento
Me deixam só nesta varanda muda.
Quando a Domingos, que dormindo estuda,
Por um nome que errou, lhe chamo eu cento

Mortos da mesma morte o dia e vento.
A noite estava para estar sesuda,
Que desta negra gente em festa ruda,
Endoudece o lascivo movimento.

Mas eu que digo? Solto o tão sublime
Discurso ao ar, e vou pegar da pena,
Para escrever tão simples catorzada?

Vedes? Não faltará pois quem ma estime:
Que a palha para o asno, ave é de pena,
Falando com perdão da gente honrada.

(fixação do texto de José V. de Pina Martins)


NICOLAU TOLENTINO

Não tomando em desprezo o escuro estado
em que me pôs Fortuna e Natureza,
olhastes sem horror minha baixeza
e fizestes sentar-me ao vosso lado.

Então, de ingrata obrigação chamado
Deixei à força a companhia e a mesa;
e inda cheio de ideias de grandeza,
vim dar por tema um verbo conjugado.

Não sei com dous opostos conformar-me;
sofrem-me os grandes, sou taful e moço,
não sei a «senhor mestre» costumar-me.

Tais extremos, Senhor, unir não posso;
de dous génios não sou. Mandai fechar-me
ou a minha aula, ou o palácio vosso.

(fixação do texto e notas de Rodrigues Lapa)
___________________
"sofrem-me os grandes" = os fidalgos têm-me apreço

Sem comentários: