- Oh!, a Via Láctea... Como está esplêndida! - exclamou Komako, continuando a correr à sua frente, com o olhar erguido para o céu.
A Via Láctea... e ao contemplá-la também Shimamura teve a impressão de nadar dentro dela, de tal modo a sua fosforescência lhe parecia próxima. Era como se ela o tivesse aspirado para dentro de si. Teria sido sob a impressão desta imensidade esplendorosa, deslumbrante, que Bashô a descrevera como um arco de paz sobre um mar enfurecido? Justamente por cima dele, a Via Láctea inclinava a sua abóbada, estreitando a terra nocturna num abraço límpido, indecifrável, sem inquietação. Imagem pura e próxima de uma terrível volúpia, sob a qual, por breves instantes, Shimamura viu representada a sua própria silhueta, recortada numa sombra tão múltipla como as estrelas, de tal modo insuperavelmente repetida, que havia lá no alto, partículas de prata na luz leitosa e até no reflexo cintilante das nuvens, das quais cada gota ínfima e irradiante de luz se confundia com a sua infinidade, de tal modo o céu era claro, de uma limpidez e de uma transparência inconcebíveis. Shimamura não podia afastar do seu olhar este manto sem fim, este céu infinitamente ténue, subtilmente tecido no infinito.
(excerto de Terra de Neve, tradução de Armando Silva Carvalho, publicações Dom Quixote, 1968)
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