(Óbidos, 21 de Abril de 2010)
JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE
UM PASSO DENTRO DA VILA
Nenhum dos vivos escapará à pedra de toque que
é a morte. Mas primeiro passou pelo limite do deserto — a dor
e as areias crescem ao seu redor. Por entre as casas da aldeia
jamais são portadoras de um acaso feliz
sobem a rua direita de grande laje
da porta da muralha à igreja mais cimeira. Em Óbidos
ouve-se melhor o de profundis, há um registo daquilo que se
perdeu.
A laje, dizem que foi lançada para o passo do viático.
Passo último que concede transfiguração. Quem
hoje pisar o longo dessa pedra
perdido no abismo mais íntimo das areias do deserto
na vegetação da floresta
já não atende ao som breve da torre sineira. A violência é
o que recebe de próximos e
vizinhos quando não se ajustam, como a palma das mãos, ao seu
olhar; desterrado, dentro do termo de Óbidos (as margens vão
até ao mar, morrem nas salinas a oriente
e a norte, a grande nave cobre-lhe os sentidos), respira o
espaço longínquo e o tempo remoto para além, muito além do
espesso muro da matéria.
(de Termo de Óbidos, Relógio d'Água, 2006)
1 comentário:
Gosto desta fotografia onde 'caminha' o poema.
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