IX
De parcela em parcela do tempo parcial, o pássaro criador do seu voo sobe escadas invisíveis e ganha altura...
Como se fora uma corrente de escovém, desde a nossa profundidade nocturna, enquanto ganha o largo, puxa a si o traço interminável do homem que não pára de lhe agravar o peso. Do alto segura o fio da nossa vigília. E uma noite soltará esse pio sei lá de onde, que em sonhos faz erguer a cabeça ao adormecido.
Chegámos a vê-lo no velino de uma aurora: ou de passagem, negro — quer dizer branco — no espelho de uma noite de outono, com os gansos bravos dos velhos poetas Song, e deixava-nos sem fala no bronze dos gongues.
De ser inteiro tende para lugares sem paragem. É nosso emissário e quem nos inicia. «Senhor do Sonho, conta-nos o sonho!...»
Porém ele, vestido com pouco cinzento ou a despir-se dele para um dia nos explicar melhor a inaderência da cor — em todo este leite de uma lua parda ou verde e de feliz semente, em toda esta claridade de nácar verde ou rósea, que é também a do sonho por ser a dos pólos e das pérolas no fundo do mar — ele navegava diante do sonho e dava esta resposta: «Chegar mais longe!...»
Entre os animais que não deixaram de habitar o homem como uma arca viva, o pássaro, com um piar muito prolongado, com o seu incitamento ao voo, foi o único a dotar o homem de uma nova audácia.
(de Pássaros, tradução de Aníbal Fernandes, Hiena editora, 1994)
(de Pássaros, tradução de Aníbal Fernandes, Hiena editora, 1994)
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