EMANUEL FÉLIX
Nasceu em Angra do Heroísmo, em 1936. Também ensaísta, autor de contos e crónicas, crítico literário e de artes plásticas.
Chegou hoje a notícia de que morreu.
"Melhor o vejo operário da palavra como um mister sagrado - seu compromisso sócio-intelectual, apresentando serenamente a voz preclara da Verdade na sua função libertadora. Melhor o vejo ainda peregrino silencioso da Poesia, percorrendo os espaços onde se encontram as palavras disponíveis e componentes do edifício do poema. Nada detém Emanuel Félix nestas viagens onde se encontram os deuses em seu descanso, os homens com o coração à tona da água, os bichos na pose delirante dos seus festins. E tanto viaja, como os pássaros, até aos reinos da primavera e do sorriso (sua Melibeia oriunda da liberdade e vestida de mil silêncios), como peregrina - volátil profeta da manhã - pelo país das magnólias e das flores de lotus, a quem os tempos emprestaram a filosofia das coisas simples." (Álamo de Oliveira - excerto do texto introdutório do livro A Viagem Possível)
PEDRA-POEMA PARA HENRY MOORE
Um homem pode amar uma pedra
uma pedra amada por um homem não é uma pedra
mas uma pedra amada por um homem
O amor não pode modificar uma pedra
uma pedra é um objecto duro e inanimado
uma pedra é uma pedra e pronto
Um homem pode amar o espaço sagrado que vai de um homem a uma pedra
uma pedra onde comece qualquer coisa ou acabe
onde pouse a cabeça por uma noite
ou sobre a qual edifique uma escada para o alto
Uma pedra é uma pedra
(não pode o amor modificá-la nem o ódio)
Mas se a um homem lhe der para amar uma pedra
não seja uma pedra e mais nada
mas uma pedra amada por um homem
ame o homem a pedra
e pronto
(de O Vendedor de Bichos, 1965)
TRISTES NAVIOS QUE PASSAM
Tristes navios que passam
na hora da nossa vida
na hora da nossa morte
escuros vasos de guerra
cargueiros tanques paquetes
brancos navios de vela
levam óleo levam ódio
luxo lixo das cidades
levam gente gente gente
deixam ficar nostalgia
tristes navios que passam
na hora da nossa morte
na hora da nossa vida
DOIS POEMAS CHINESES
1. Canção do trigo à maneira de Han
O trigo está verde:
Preciso é que amadureça.
E quem serão os ceifeiros?
- As mães os seus meninos...
(Os homens estão para o sul
A combater os bárbaros).
2. Por um anónimo da Dinastia T'sin(*)
Os mandarins compram cavalos brancos.
Os grandes senhores têm palácios de oiro.
Mas, cuidado:
Nem uma palavra, amigo.
__________________
(*)Período em que foram queimados os livros e enterrados vivos todos os poetas (N. do A.)
(de 5 Poemas de Amor)
DISCURSO (MUITO BREVE)
SOBRE A CRIAÇÃO ARTÍSTICA
Para o Jean-Claude Bertrand
Com que amor violentamos a folha deserta
cujas margens tateiam a fronteira do sangue
cujas marcas viajam a superfície múltipla
das dunas mão aberta
afagamos talvez a face o pleno espaço
na outra logo o fogo
o lápis a memória
o gesto em vez do peso
a viagem
sem bússola do corpo
com que violência amamos o terreno
demarcado do espanto
sobre o húmus a força o quente espaço
a forma
a breve fala
Paris, 1979
(poemas retirados do volume que recolhe a obra poética do A. até 1981, A Viagem Possível, editada pela Secretaria Regional [dos Açores] da Educação e Cultura, em 1984 - há uma edição, mais recente e aumentada, pela editorial Vega)
3.
Porque digo pareces
uma espiga de trigo
eis o cheiro da terra deste Junho
quando é tarde demais para semear
mas cedo ainda
cedo
para o gesto infinito
de repartir o pão
(da sequência Seis recados pessoais para Margarida Weizen, incluído em Habitação das Chuvas, edição do A., Angra do Heroísmo, 1997)
A «DANA» de que se fala
Há 1 hora
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