9.2.04

JOSEPH CONRAD

- É o calor - disse Jukes - Está um tempo desgraçado. Capaz de fazer um santo praguejar. Mesmo aqui em cima sinto-me exactamente como se tivesse um cobertor de lã em torno da cabeça.
O capitão MacWhirr ergueu os olhos.
- Quer dizer, senhor Jukes, que já teve alguma vez um cobertor de lã em torno da cabeça? Eu desejaria que o senhor não falasse tão levianamente. Que espécie de santo seria esse que praguejasse? Não mais santo que o senhor, acho eu. E o que é que um cobertor tem a ver com isso... ou o tempo também... O calor não me faz praguejar... ou faz? É puro mau génio, é o que é. E que vantagem há em falar dessa maneira?
Assim protestava o capitão MacWirr contra o uso de metáforas e no fim electrizou Jukes com um desdenhoso rosnido, seguido de palavras de cólera e de ressentimento:
- Raios o partam! Eu ponho-o fora do navio se ele não se emenda.
E Jukes, incorrigível, pensou: «Valha-me Deus! Alguém conseguiu voltar o velho do avesso! Diabos me levem se ele não está irritado. Claro que é o tempo; que outra coisa havia de ser? Capaz de fazer perder a calma a um anjo... quanto mais a um santo.»

(excerto de O Tufão, tradução de Daniel Gonçalves, Difel, 1989)

Sem comentários: