YEVGENY YEVTUSHENKO
FÁTIMA
Estive na festa de Fátima. Vendo como se empurravam nas bermas
cães, burros, jornalistas, embaixadores, turistas,
e ao longo das estradas, de joelhos ligados,
em todo o asfalto, de cabeça perdida o povo se arrastava.
Com imprecações, gritos, lágrimas, gemidos,
por poças, montes de esterco, cacos de vidro,
arrastava-se para que a bênção de Fátima
viesse ao povo e o pudesse ajudar.
Arrastam-se camponeses, amargura no rosto enrugado
como haveria no da mãe de Jesus Cisto
quando lhe devolveram, por fim, o filho crucificado,
tocando-lhe ao descer o seu corpo branco na cruz.
Arrastavam-se madalenas, torciam-se, gemiam, ofegavam,
e semeavam lágrimas, confiando nessa sementeira,
mas só sorriam anjos mudos e impertinentes
arrastando a sementeira às costas, como rapazes traquinas.
E nos automóveis pretos, louvados os Apóstolos,
com buzinas que passavam pelos saloios arrastando-se na poeira,
corriam, como para o futebol, os ideólogos do andar de rastos,
os polícias de casse-tête sendo super-indulgentes.
E no estádio, com a voz forte da Phillips,
o comércio da fé deixava cair a sua palavra quente
sobre o mar de cabeças confusas e chapéus de jornal,
oscilando trémulas como um prato de pudim.
Apelava o comércio, estendendo as mãos bem cuidadas,
na altura em que nas estradas pejadas,
que se arrastavam ao longe sobre joelhos invisíveis,
o poente se mostrava através duma neblina como sangue através de ligaduras.
E o povo arrastava-se. E os tristes camponeses não sabiam
que os pastores de rebanho, de submissa e simples fé,
não só não podem - tudo podem os grandes do mundo! -
como não pensam tirar os seus filhos da cruz...
(de Poiúchtchaia dámba, 1972 - tradução de Manuel de Seabra, in Antologia da Poesia Soviética, editorial Futura, 1973 - Yevtushenko havia estado em Portugal em 1967 para um recital em Lisboa)
o livro preferido da mãe do malogrado Bruno Rafael
Há 44 minutos
1 comentário:
Yevgueni Yevtsushenko morreu nos EUA em Abril de 2017, aos 84 anos.
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