[personagens recorrentes II]
RUI KNOPFLI
O ESCRIBA ACOCORADO
Sentado na pedra de ti próprio,
não tens rosto, senão o que,
de anónimo, a ela afeiçoou
a mão que assim te quis. Do resto,
do que de individualidade, porventura,
em ti existiria, se encarregou
a persistente erosão dos dias. De vago,
neutro olhar sem órbitas, permaneces
hirto, fitando sempre mais além
da morna penumbra que te envolve
no halo intemporal que é, do tempo,
o nexo único. Nesse olhar
de não ver tudo se inscreve,
repensa e adivinha: teus limites
e, ainda, o que excederia tua humana
estatura. Sem contornos, em sombra
e sono te diluis no que, de ti,
nunca saberemos. Porém, límpida
e escorreita, até nós chega a laboriosa
escrita que no papiro ias lavrando.
(de O Corpo de Atena, 1984)
PEDRO TAMEN
1. O escriba acocorado
Ele que escreve que não saibamos já,
olhos fitos no nada que por ciência tem?
Sob os ardores do sol burila só silêncio
que sustenta no colo
e onde cabe tudo.
(de Depois de Ver, 1995)
15.5.04
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