DOIS POETAS ÁRABES QUE FALAM FRANCÊS
TAHAR BEN JELLOUN
nasceu em Fez, em 1944
Crianças apaixonadas pela terra
caminham pé descalço sobre a húmida greda
o destino delineado
na asa do pássaro migrante
Ao longe
o dia debruça-se para apagar a pobreza
e amontoar os figos secos da morte
*
O muro
vestido de cal
conta os dias retidos na pedra
envergonhado
esconde a miséria e a mão que se ergue
(de Arzila / Estação de Espuma – Hiena Editora, 1987 – Colecção Águas Doidas, Trad. de Al Berto)
SALAH STÉTIÉ
nasceu em Beirute, capital do Líbano, em 1929. Apesar de a sua língua materna ser o árabe, escolheu o francês para se exprimir na poesia. Ocupou cargos diplomáticos em várias cidades do mundo. Recebeu em 1995 o Grand Prix de la Francophonie.
Agulha
Estrangeiros conversando sem palavras em todas as varandas da noite
A morte espera no buraco das agulhas
Mas as rosas prudentes abandonaram este círculo
Na sua longa verdade
Pensamento sem anjos
Onde surjo de costas moídas, aparafusadas às cadeiras
De olho faminto na cabeça estilhaçada
Rosto e corpo sob os duros ditames da chuva
Densidade
Atrás das cortinas de árvores
Fica a densidade da lâmpada
Sustentada pela fragilidade
E os homens de sonho
Levam a lâmpada trabalhada pelas suas lágrimas
Por um bosque de poeira
Seus dedos subitamente prudentes
Sobre uma estrela de sombra
Onde corre uma fonte vazia.
Água – 2
É preciso dormir minha cabeça que te acostumes
Aos ramos da noite cruzados sobre o teu destino
À própria ansiedade de sucumbir no mar
Alumiado por veleiros grandes e selvagens
É preciso dormir e desancorar o coração
Ele em traje de mar e tu profunda
Com os teus degraus ainda alegres
Instrumentos de sangrenta festa
É preciso dormir e que os teus degraus
Derramem a sua carga na água nocturna
E regressar com o coração ao seio
De uma festa sem instrumentos ou veleiros
(de Falando só com a pedra – Tradução colectiva revista e prefaciada por Fernando Guimarães, no âmbito de um “seminário de tradução colectiva” da Fundação Casa de Mateus, em Abril de 1999, Quetzal editores, 2000)
Ladainha dos póstumos Natais
Há 1 hora
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