28.6.03

JOSÉ BAÇÃO LEAL
(Lisboa - 01-07-1942 / Nampula - 01-09-1965)

Noite
Se tivesses boca e fosses mulher
conheceria o morrer de amor

*

Absoluta e contente

vem ao encontro dos meus gestos
e dos meus silêncios de pedra

as nuvens
morrem nas fendas do vento

e eu morro nos gritos da terra.

*

Amor... um dia
terei de beijar o vidro rasgado
terei de moldar um passado.
Mas nesse dia não chores
espera que eu surja entre a bruma
com o corpo envolto em espuma.

Transforma as certezas
em flores murchas na madrugada
em gritos de sangue numa evasão

Depois para teu bem
e enquanto esperas que chegue alguém
vai falando de mim
como se eu continuasse a viver
e o morrer não fosse o fim

*

Ah vazio! eterno vazio!
vais-me matando aos poucos
estou farto de não viver
não tarda estarei louco
ou morto sem morrer

[poemas retirados de um livro de 1966, sem título, compilado por amigos do autor que referem: "Estas poesias foram-nos cedidas pela Mãe do Zé que carinhosamente as recolheu de rascunhos que ele deitava fora"]

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