EVA RUIVO
Nasceu em Lisboa, em 1963. Publicou um livro.
Perdoa, não é a falta do dinheiro
essa extravagância, nem o apetite
inconsolável de azul, voraz, sim,
gulosa do teu sexo quando a tensão
mo permite rasgo de mim
a pele o nervo a gruta os versos.
Anoto as árvores que caem, obsessiva,
debaixo do rodado de automóveis
dei-te tudo, possessiva, e fiquei
sem folhas, mas ri, atapetando
a traça dorida de teus passos
mordidos pela época e pelo trânsito.
*
Confesso: às vezes somente
a voz da tua pele apela
às verdades dormentes
ou opressas debaixo
da máquina do pensamento,
mas eu não te deixo.
Confesso: qualquer vestido
modesto de elementar singeleza
sublinhará a face sem adereços
da tua infanta, a silhueta
escondida será uma adivinha,
minha aura velada de leveza.
Confesso: nesta hora ébria
de contigo regressar à perdida
infância que resguarda
a inocência da desconfiança...
faz-me uma festa, fala comigo:
saudades eu tenho, de chorar.
(de Rosa de Jericó, 1994)
UM RECADO POR BAIXO DA PORTA
«We are the stuff
As dreams are made of, and our little life
Is rounded with a sleep»
Shakespeare. The Tempest
Parece que estou metida num vídeo
pornográfico, as ramagens batidas pelo suor e o rumor
de vozes agrícolas, regos abertos a cruzar as únicas
sílabas que a colheita, mãos de cortiça, deixou
varejadas. Dói: o sol nos muros, corpo inculto
versado na dor. Depois, certos dias obrigados
a festa, colchas no parapeito, jarras cheias
de calendário para encobrir o remorso;
a vida na província
são obscenas imagens de fuga.
Acordei, tinham passado por cima de mim
aldeias inteiras, vivalma, sequer um alguidar
com água para a mula, pele e osso, ou música
o acordeão a insuflar a tenda.
*
Que tradição a vossa! Maltratar espanholas.
O calor e o frio da minha época
jamais me hão de largar: uma coisa é
foder, outra sofrer influências
na pele, ter exércitos de terracota fundo... «Bem
que vinham de mal comer,
que não tinham aonde ir dançar...» Não
interrompa! Ninguém
que da morte saiba o sabor que ela tem,
tão sem razão, lhe suportará os versos.
Uma dinastia inteira de ossos e solidão,
raparigas do campo quem vos rezará o terço
quando um homem escreve asneiras,
mimos a raparigas levantadas ou não?
(in hífen 10, Maio de 1997 - direcção de Inês Lourenço)
dois docinhos do Xana
Há 7 horas
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