FRANCISCO JOSÉ TENREIRO
Nasceu em 1921, em São Tomé. Desde muito novo em Lisboa, onde fez os seus estudos. Doutorou-se em Ciências Geográficas, área em que publicou importantes contributos para o desenvolvimento da sua terra natal.
A sua obra é marcada pelo Neo-Realismo e é ele o introdutor da negritude na língua portuguesa.
Morreu em Lisboa, em 1963.
CORAÇÃO NA VIDA
1
No coração da vida
pus meus olhos de água
e as paisagens rosto suave
da mãe sempre procurada.
De mansinho coloquei
no coração da vida meu próprio coração.
Coração menino e sem lágrimas
Coração pequeno, coração de voz clara.
Pobre coração
sem a angústia do amanhecer das planícies calvas
ou a amargura crepitante das savanas em brasa.
Coração na vida engrenado
coração no coração lançado
fugido poema escrito na sinfonia das gargalhadas hiantes
servidas na bandeja ritual-veneno da civilização.
Coração na vida lançado
era uma vez coração...
2
Foram os gestos e as palavras.
Foram os gestos
que substituíram no dicionário da humanidade
amor por ódio
liberdade por servidão
beijo por Freud
loucura por amargura
que em vez de criança dizem vergonha
de coração dizem velho instrumento de corda que dava açucar pilé e
[músicas líricas hoje obsoletas.
Foram as palavras que levaram
ao gesto frio de colocar ao pescoço quente de uma mulher a corda
[da forca
o gesto indiferente de premir o botão assassino da câmara
[de Chessman
o gesto amor pago das noites de solidão
o gesto de criança pedindo pão a seios enxutos
o gesto da escravidão...
Foram os gestos e as palavras
que mataram o meu coração.
3
Coração cadáver porque bates e porque esperas?
1960
Lisboa
(de Coração em África, incluído na Obra Poética, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991)
17.7.03
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